Há algo de melancólico no tom em que canta suas músicas alegres. E em toda sua representação de trajes típicos de sua região. Nas suas músicas entrecortadas, entre chiados e oscilações de intensidade, o amplificador cospe o ruído grave da sua voz rachada e extenuada. O homem tem um violão reluzente nos braços e toca suavemente suas cordas tilintantes, enquanto canta ao microfone. Uma batida de percussão sai pré-gravada de um instrumento e segue as notas de seu violão. E tudo é um som só num único amplificador, desamplificado.
Abaixo, ao seu lado, uma caixa de papelão expõe à venda seus CDs quase improvisados, resultado da doação de alguma gravadora ou de algum projeto de incentivo à cultura do Estado. Do outro lado, um acordeão também reluzente, coberto em parte por uma capa de couro. O homem e sua cantoria parecem adaptados ao local, àquelas circunstâncias de alegrias, mas a multidão ao redor mal presta atenção na sua música. Uns passam, outros repassam, lanchando coxinhas e pastéis. Visam às barraquinhas feitas a ferro, madeira e lona, e o que elas oferecem - frituras e gorduras. As várias barraquinhas em fileiras vendem seus peixes ao ar quente que sobe do óleo no fogo. Uns pirralhos brincam enquanto rodeiam ávidos como urubus as pessoas com seus lanches. E então atacam, pedem um pedacinho, um golinho do refrigerante, pedem que deixem um restinho disso ou daquilo e pedem um trocado e vão embora ainda insatisfeitos. Alguns turistas observam as lojas de artesanato - as peças de barro, as esculturas em moldes e traços tipicamente regionais: uma visão simbólica de uma gente.
E o homem a cantar e a bailar, em passos mínimos e repetitivos.
Os sinos batem na igreja da praça, os noivos vão entrar; trajes a rigor, os que ali estão, separados por grades, contrastam sua exuberância com o ambiente simplista, tolerante, dos transeuntes na feirinha. Os vendedores sentam-se em seus banquinhos enquanto a freguesia não chega; descansam e uns conversam com outros. Os murmúrios e o tilintar ressonante dos sinos, o rosnar metálico dos carros na avenida, tudo supera a música ruidosa que sai do amplificador do homem, mas ele não perde o fio da meada, não perde a voz já desgastada, não perde o ritmo nem a letra, e perpetua em sua canção imortalizada. O homem conserva a paciência de um surdo que canta para si. Da face cintila o suor, e pingos caem titubeando entre as rachaduras e as rugas de um rosto desgastado pelo tempo e pela vida. E o homem, obstinado, a cantar. A noite sem estrelas e sem nuvens resplandece em sua lucidez vívida e traz da praia a leve e constante maresia que, vez ou outra, intensifica e logo se acalma, sempre constante. As luzes dos prédios ao redor vivificam a noite, e toda essa claridade não é mais uma antítese da escuridão no céu, mas um contraste que se aplica como adorno, como estrelas artificiais que o céu não trouxe consigo esta noite. E todo o ar parece límpido e conserva em si o contentamento e a serenidade das pessoas na praça. Toda a paisagem é um reflexo dessa conformidade rotineira.
No asfalto, porém, as rachaduras escondem a sujeira; a grama pisoteada e desbotada guarda o lixo descartável já consumido. Os postes se espalham e espalham iluminação. Gente sentada na bancada da praça consome, ri, conversa. E o homem, com seu violão, canta. E todos guardam sua indiferença ao homem do violão. E a música se perde entre o alarido, entre risos e gargalhadas, entre o ressoar dos sinos e o estrepitar dos carros. A missa de celebração começa, todos silenciam, mas lá fora, na praça, tudo funciona, tudo vive. E o homem canta.
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