quinta-feira, 13 de maio de 2010

Minha alma não tem nome

1. Me sinto como um tiro no escuro. Vejo vagamente, nos poucos milésimos de claridão, o corpo que será minha vítima. Não o reconheço. Não sei bem o que vi. Será que o vi? Espatifo-me. Tenho muitas possibilidades, nenhuma delas é um objetivo. Um tiro cego, arbitrário, uma bala perde-se no escuro, espatifa-se – não sei em quem ou em quê. Por que não vejo? Se me tiram a venda dos olhos, descubro-me num quarto escuro, sem portas e sem janelas. Apenas um cheiro úmido e um ar refrescante me acolhem e me fazem acreditar que não estou numa câmara hermética, asfixiante. Tento apalpar as paredes da minha existência: são frias, úmidas, são, além de tudo, desoladoras. Não precisei de mil filósofos nem mil sábios como conselheiros para que essa verdade, em tom catedrático e religioso, me fosse revelada. Ela compete só a mim, e sou eu quem a sinto; é uma verdade que me foi transcrita pelas minhas próprias percepções; assim me foi dita, traduzida, revelada. Sou eu quem a vivencio do modo como o faço. Minhas palavras talvez não digam nada, mas eu as escrevo com o sentimento que me é infligido por essa verdade. Sou eu quem as escrevo, não é mais ninguém. São verdades minhas. Tão bem como poderiam ser suas.

Uma porta branca se abre e uma luz cálida e calada invade a sala, revelando seu assoalho desgastado e carcomido. Nada mais, apenas uma sala vazia, empoeirada, desolada. As paredes estão úmidas e mofadas, parece que respiram; recendem um cheiro de coisa antiga; lá dentro o ar é quase rarefeito. As janelas estão fechadas e lacradas com madeiras – alguém quis vendá-la. Minúsculas fibras de poeira flutuam vagamente e refletem à luz do sol. O assoalho está empoeirado. Alguém entra em passos tímidos e curiosos. Espero que se revele: sou eu ali. Assusto-me. Percebo um redemoinho de poeira subir acima do meu allstar emboçado pela terra úmida por onde passei. Intimidado, enfrento as aparências tão pouco convidativas da casa. Procuro me familiarizar assim mesmo; percorro o olhar por todos os cantos; não há portas, mas percebo entradas para outras salas. Afinal, descubro que não há nada em todas elas, em todas as salas. Tenho dúvidas; por que trancafiá-la? Ou vendá-la? Por que abandoná-la? Quais os segredos que ela encerra? São os meus.

Me sinto só, longe da civilização. É como a casinha da árvore da nossa infância, nela eu podia contar meus segredos, podia sonhar, pensar, refletir em paz – longe de tudo que me desagradava, longe da minha família, da minha própria realidade, principalmente quando tudo isso me aborrecia. E de lá, eu podia contemplar e sentir. Aqui me sinto livre, livre de convenções, de regras, de moralismos empáficos. É um lugar estranho, mas não tenho medo. Pelo contrário, me sinto protegido. Aqui posso revisar minhas ideias, posso me auto-avaliar. Hoje, não tenho mais vontade de contemplar, minhas sensações agora se satisfazem a partir de outros sentidos, do tato principalmente. Agora eu necessito de ações, meu corpo se adaptou à velocidade do nosso século, à precisão e à objetividade que a tecnologia proporciona. Mas a atmosfera sombria e desértica me acolhe.

Estranho. Tenho vontade de cantar.

Eu? Sou eu mesmo ali?

Senti em milésimos vívidos o que eu chamaria de liberdade. Não saberia dizer que sensação é essa, acho que não se explica a liberdade. Da História, ouvi dizer que se lutou muito por ela. Não me importo com isso. Seria insincero se isso realmente me chamasse atenção, ou se por isso eu lutaria ou morreria. Acho que sou, ou ele é, um adolescente do nosso século, tratado sob as convenções do individualismo. Eu não sei bem. Nem quem eu sou. Nem se sou. Senti, então, minha respiração límpida. Na verdade, tive vontade de respirar, não com o desespero de quem se afoga, mas exultante, como quem é acometido por um lapso de consciência de vida.

Voltaria outras vezes àquela casa.

2. Eu quis dizer: me sinto purificado depois de ser corrompido. Poucos aceitariam essa ideia. Não sei se a aceitei, isso não pode se resumir a um assentimento voluntário, é algo mais volitivo, mais instintivo. Não acredito nisso também. Criei a noção básica de que meus desejos e minhas necessidades são consequências de um condicionamento processual que envolve tanto a cultura quanto a família. E quando falo disso, quero enfatizar bem a noção de valores morais e éticos que nos são incutidos durante todo o processo de formação individual. Mas, em circunstâncias tão curiosas e tão ricas em possibilidades, não me proponho a discutir isso. A verdade é que sou a bruta definição de um egoísta: faço o que me agrada, faço o que quero fazer. Um hedonista. Mas eu me desafio sempre que posso.

“O que você sentiu?”. “Não sei”. Não sei. Ela não soube dizer. Não sei, não sei. É o espírito da incomunicabilidade que assola nosso século. Perguntei corajosamente, inescrupulosamente. Ela me respondeu com uma inocência que prescinde de escrúpulos e de coragem. Respiramos o mesmo ar, nos tocamos, eu a penetro e nossa alma se funde – mas ainda me pergunto que direito tenho sobre ela. Ela mesma não saberia responder. Ficamos calados, incomunicáveis, inexpressíveis. Tento não modificar os trejeitos do meu rosto, porque ela pode confundi-lo, enganar-se quanto ao que sinto. Ela também teme que eu me engane, acho que ela pretende assegurar, por mim, o amor que sinto por ela. Acho que ela quer me dar certezas. Muitos achismos não identificam nem de longe indicam certezas. Enquanto isso, não sabemos de muita coisa. Eu acho. E só. A certeza, para nós, é imponderável, é líquida e de minhas mãos ela escapa. É como se fôssemos personagens de um livro, de um conto; nossas verdades e a verossimilhança em nós assimiladas é uma construção poética da criatividade do autor. Em algum momento eu devo ter pensado em fugir, em escapar-lhe à mão, tornar-me o que eu pretendo ser, contruir-me conforme minhas próprias pretensões, como se eu fosse vivo. Em algum momento, meu autor se viu aflito por perder as rédeas do lápis que me contornava e me construía em palavras. Então, ele se viu forçado a rabiscar, a apagar parágrafos e parágrafos que me revelavam de maneira errônea, escritas conforme uma implosão da inconsciência, sem, no entanto, sua permissão. Este momento é epifânico: descobrir que minha vida é uma implosão criativa e que não posso escapar às determinações da verossimilhança, isso tudo me impressiona. Um autor escreve, cria seu mundo, elabora suas verdades e suas determinações que, mesmo não escapando ao mundo real e concreto, delimita a ilusão em que os personagens vivem. Posso ver onde terminam as fronteiras entre a realidade e a ficção, mas não posso transpô-las. Por isso, me sinto impelido por minhas emoções, por minhas ideias etc. Por isso mesmo, tento transgredi-las, contorná-las se possível. Por isso me desafio, desafio o que sinto, o que é de mim. Ora, se sou criação de um autor e suas verdades não me agradam, então quero descobrir novas verdades em novos autores. Quero me escrever, com minhas próprias mãos, se possível.

3. Fecho os olhos. Abro-os.

Aquele ali sou eu? Ainda sou eu ali?

Aquele lá, aquele não sou eu. Eu não estou aqui.

Prefiro não perguntar de novo. Sinto-me livre agora e gostaria de continuar. Minhas ideias saltitam na página e eu posso espalhar as palavras sem muito esforço para organizá-las. Elas dizem por si. Sou um precipitado caótico de ideias e emoções. Elas dizem por mim, elas me compõem, me contornam, me delineiam, me modelam, me impelem, numa batalha infinita entre razão e emoção, entre pensamentos dicotômicos, entre dilemas, entre maniqueísmos e inapeláveis desafios morais que enganam a lógica das dialéticas. Não sei se posso dizer que aquele ali sou eu. Se sou este, se penso como este, como poderia ser aquele outro? Eu não estou aqui.

Radiohead toca no mp4. Ela não quer falar, nem quer escutar, está absorta. Nos ouvidos, o fone deixa zumbir alguns versos, ressaltados pelo silêncio da casa vazia. Levanto-me, percorro a casa e o rangir do assoalho velho segue meus passos. Tiramos as madeiras das janelas; achei que sentiria menos a melancolia que transbordava na densidade e na escuridão daquela casa. Enganei-me. As luzes do sol só realçaram, num contraste intenso, a atmosfera solitária, melancolicamente angustiante e sombria que pairava ali. Agora eu entendo que a paisagem, como eu a vejo, nem sempre reflete as emoções do observador ou a elas corresponde. Chega de impressionismos desbaratados. Sinto-me mais real agora que sei disso. Antes eu me sentia como se fibras me conectassem a uma página polvilhada de palavras, na qual tudo se aglutinava e imiscuia, criando formas borradas e inteligíveis. Como se eu não pudesse me desprender das determinações do ambiente, ou da vontade de alguém. Agora posso me mover, me deslocar, agora os cenários diante de mim não me perseguem, simplesmente me abrigam. Agora não sinto que sou feito de símbolos, apesar de saber que isso não é verdade.

Infelizmente, estamos inacessíveis, com medo, com receio de errarmos em nossas palavras. É a dificuldade de comunicação do nosso tempo, apesar de todo o aparato tecnológico de alto grau de que dispomos e que nos conecta a todos os cantos do mundo. As relações humanas e os vínculos afetivos, de âmbitos metafísicos e sensitivos, já não atraem mais. Ela está deitada num colchão velho que trouxemos para nosso novo lar. Não sei bem como me sinto, mas reluto contra meus ciúmes. Penso na afeição que tenho por ela e na calmaria que ela suscita em mim. Volto à sala onde está o colchão e a vejo com lágrimas nos olhos. A música sempre desencadeia sensações tremendamente fortes para fazê-la expelir algumas lágrimas. Não acho que ela seja sensível, mas é a música, a força da música. É o movimento, o bailar das ondas sonoras, a harmonia dos instrumentos, as emoções que compõem a melodia, que a descrevem, que a contornam, que a delineiam, é a articulação da letra ao composto sonoro, a vontade inexorável e a tentativa frustrada de dar vazão à transbordante angústia de viver. É a música. Ela se apropria da música e de todos os sentimentos que esta reproduz do compositor, e os transforma nos seus. Por isso as lágrimas nos olhos.

“Você sabe que eu te amo”. “Eu te amo” é uma expressão que parece não nos encantar mais. Parece, agora, desmistificada. Tão banalizada, batida e rebatida. Não sei como chegamos a esse ponto, mas o amor se esvai com o tempo. Poderíamos encher de areia uma ampulheta e virá-la até que o último grão caísse e, então, chamar isso de amor. A diferença, incontestável por sinal, é que não sabemos de que tamanho é a ampulheta e o quanto de areia é preenchida quando começamos a amar.

Palavras. Como podem dizer tanto?

Minhas verdades.

Eu me pus a sua frente, bem diante dos seus olhos e disse: “você sabe que eu te amo”. Provavelmente ela não escutou, mas deve ter lido nos meus lábios ou captado por algum sexto sentido fenomenal. Ela sorriu, então. Ela me segurou pela nuca e me beijou. Beijamo-nos. Sempre gostei do seu beijo, é cauteloso, é suave e delicado – eu tento seguir o mesmo movimento, com a mesma delicadeza. Ela tem certa habilidade, uma habilidade inerente. Afinal, acho que consigo.

Nós transamos naquela tarde.

Trouxemos tinta naquele dia; iríamos ver o que fazer depois da faxina. Eu sempre gostei de cores, mas nunca soube aproveitá-las, ou melhor, organizá-las, combiná-las. Alguns artistas fazem bem isso e, quando vejo suas obras, sinto que, em algum lugar, essas tintas escoam e formam um riacho colorido que ligam o mundo ilusório concebido pelo artista ao nosso mundo convenientemente real. Não sou imediatamente absorvido, mas sei que posso adentrar nelas enquanto nado em algum sonho perdido. Pintar paredes não se compara à arte de pintar telas, é claro. Acho que tentávamos mudar aquele clima.

4. Mas palavras não dizem tudo.

Não poderia me descrever com palavras, me definir como tal, pois há verdade na minha existência verossimilhante. São palavras que compõem minha forma, e, no entanto, minha dor não seria maior se fossem moléculas e células. O que eu digo é que não quero me definir, me delinear – dou carta branca à imaginação.

Lá fora chove, algumas gotas colidem no chão, abafadas pela terra que amortece a queda d’água; outras espatifam-se como vidros ou cacos de vidros nas pedras ou no chão de concreto do quintal, ou nas folhas das poucas árvores. Algumas ainda entram pela janela aberta ao meu lado, entram tímidas e algumas se quebram e produzem uma espécie de fumaça d’água. Uma poça se forma no chão, e parte da água escorre em filetes por entre as entranhas retilíneas e labirínticas do assoalho. Vejo as diminutas correntezas seguirem seu caminho, uma vai em frente, outra atalha-se pela direita, outra ainda se perde pela esquerda para se reencontrar logo em frente com a primeira. Cada uma seguindo seu curso, delineada pela irregularidade do chão ou das peças de madeira que fazem o assoalho. É um labirinto simples, afinal. Brinco na diminuta poça d’água, descrevendo com o dedo alguma letra impensada que emerge legível do meu inconsciente. L, desenho. A poça é violada, mas como moléculas obedientes e teimosas que são as da água, a poça recompõe-se, apenas com algumas deformações, em sua forma original.

Algum ruído me trouxera de volta de minha distração. Me virei e a vi: espiava-me. Parecia tímida. Apegada à quina da entrada, ela tinha o rosto encostado na parede. Estava linda, parecia emanar uma delicadeza que diluía o ar sombrio e melancólico daquela sala, daquela tarde chuvosa. Ficou-me a espreitar. A chuva não cessava. Levantei-me e dei alguns passos até ela, mas percebi que não queria que eu me aproximasse. Dei mais alguns passos e ela, como se tentasse fugir timidamente, recuou, adentrando-se na penumbra do quarto. “Não quero que me toque”, disse. Não conseguia raciocinar, nada me estava claro, não conseguia ao menos conjecturar sobre tudo aquilo. Senti-me constrangido. Um medo se apossou de mim. De nós dois.

Medo de nos tocarmos, de flutuarmos, de diluirmos na vida.

Um homem não pode voar porque tem medo de altura.

Não conseguimos nos tocar.

5. Ela ainda não sabia, mas aceitara.

Não consegui me excitar. Não tive ciúmes, mas não consegui me excitar. Algum pudor se traduzia em escrúpulo, ou vice-versa, ou eu estava exaltado demais nessa situação inusitada e completamente inédita para mim. Ela, de costas, curvava-se para alcançá-lo em seu pescoço e abraçá-lo. Ele perdia-se naqueles caminhos, naquelas curvas. Ela inclinava-se voluptuosamente a sua frente, enquanto ele segurava ora em sua cintura ora acariciava seus seios. Ela prometia pecados, transpirava pecados; aquela abundância de secreções, que se misturavam, que escorriam, cheirava a pecado. Alguma forma de paixão inundou a sala, ele não a agredia, faziam sexo, mas não deixavam transparecer o caos e o turbilhão de pensamentos frenéticos e indomáveis dentro da cabeça, nem a tensão do momento. Ele a apalpava e a acariciava como se não quisesse deixar nada escapar de seu tato. Seus sentidos pareciam aguçados. Entregavam-se à volúpia, deixavam os espíritos confluírem-se e se fundiam em alguma outra dimensão. Transcendiam. Eu não parecia estar lá. Tinha a câmera na mão e tentava não perder um detalhe do que faziam, mas me perdia nos pensamentos e nas dúvidas e na memória e na própria imagem na minha frente. Algum impacto delirante me atingira e eu parecia fazer parte do filme que eu mesmo fazia, como se manejasse a câmera automaticamente, como um diretor que conhece o roteiro e sabe o próximo passo, o próximo gesto dos personagens, e capta tudo. Descobri que não havia incongruências entre o que eu via e o que eu captava com a câmera; pareceu-me que eu havia redescoberto o olhar, o ver, o assistir. Descobri que do outro lado, do meu lado, onde eu estava, existia vida que se conectava de alguma forma à cena que eu presenciava. Fui absorvido, como sempre ou quase sempre sou quando algum filme me arrebata. Percebi-me vivo detrás da câmera, diante da imagem; havia uma incongruência ali que me punha em confronto com as idéias e concepções traduzidas pela imagem; eu não tentei relutar, mas acatar as imagens, como espectador e não como crítico. E como espectador fui golpeado pelas surpresas que não atendiam às minhas expectativas. Como se nem ao menos tivesse lido a sinopse. Tentei não deixar transparecer as marcas que me deixavam os golpes. Talvez não o tivesse conseguido, se os personagens do filme não fossem só integrantes de um mundo que só a eles era assimilado e se não estivessem embalados pelo delírio. Uma janela deixava-se transluzir, a tarde recebia os últimos golpes e empurrões e se precipitava, titubeante, em cair. Concentrei-me na câmera e na imagem; mas algo nos ligava por fibras, mesmo que nossas ideias se confrontassem. Ela oscilava e deliberadamente havia se entregado, deixara-se conduzir pelo outro corpo. Era uma dança mística, sensual, e não havia compasso nem ritmo previsível, apenas o movimento mágico dos espíritos que transcendiam. Eu quis transferir esse sensualismo, essa dança, para a imagem, quis que ela fluísse. Movimentei-me com a câmera e tentei entrar naquela harmonia; movimentava-me com fluidez, suavemente, fazendo a câmera oscilar por vários ângulos. Tentei compactuar aquele espírito à imagem. Tudo transpirava sensualismo. Eles se tocavam sem relutância. Foi lindo. E eu tinha me deixado levar. O orgasmo foi explosivo, o ápice. Desabaram, extenuados, e abraçaram-se. Desliguei a câmera, mas o filme ainda não tinha acabado.

Não estávamos realmente constrangidos, mas ele foi embora primeiro. Ficamos eu e ela, cada um em um canto diferente da casa. Ela tinha se enxaguado, mas já estava vestida quando entrei no quarto. Ela esboçou um sorriso, mas senti algo de insincero nele. Não que estivesse constrangida. Talvez quisesse me provar algo, ou desmentir algo. Mas estava feito. Depois de tudo... não sei, talvez tivesse me precipitado ao pensar assim. Eu a beijei – sabia que, de algum modo, ainda nos amávamos. Íamos embora, mas eu parei para observar a casa. A tarde tombara, mas a noite ainda não se tinha acomodado. Não havia fontes luminosas à vista e eu me perguntava de onde vinha aquela luz tênue que pairava sobre o assoalho. Melancólica. Extenuada. Quis acreditar que fosse imanente à casa.

Ela saíra e me esperava do lado de fora. De repente, tive receio em deixar a casa, alguma náusea parecia me consumir ao ver a porta de saída aberta para mim. Lembrei-me de muitos momentos ali, principalmente daquela tarde, de como eles se amavam. Eu me perguntava se tinha os amado de coração. Dei uma última olhada, parecia o quarto escuro e desolador que era a minha existência. A náusea me deixara, mas ainda tinha receio. Pareceu-me que seria minha última vez naquela casa, mas nunca confiei em minha intuição. Algo prendia minha alma, chamava por ela. Mas ela não tinha nome. Eu fui.