sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

O Otimismo em Gaspar Noé


Todo o pessimismo das tramas fílmicas de Gaspar Noé – compostas por personagens ordinários que sofrem as mais funestas desventuras e têm de superá-las de alguma forma, por entre os becos dos subúrbios da França, no mais ínfimo dos limbos – não consegue dissimular a bondade e a clemência arraigadas no seu coração. Noé não me engana. Toda a violência explícita e gratuita dos seus filmes parece não passar de componente que serve para um discurso de auto-superação, antitético, do qual os próprios personagens dão exemplos de vida. Piada? Não.



Sozinho contra todos é o que mais evidencia esse discurso de superação. Depois de toda aquela vertigem alucinada, pela qual o Açougueiro, tão desvairado quanto aterrorizado, declina num espiral destrutivo, atulhado de pensamentos implosivos e reflexões existenciais, depois de executar a filha e, finalmente, se matar, rebenta o clarão para anunciar aos espectadores a segunda chance dos personagens, a reviravolta que anula todos os planos e expectativas, e que vem, principalmente, para desfechar, de forma emocionantemente esperançosa e – arrisco dizer - hollywoodiana, um final feliz. Em Carne, que não é um longa mas um média metragem, também não é difícil perceber resquícios de esperança no seu final, que não se pode chamar de desfecho. E já que disse isso, que a carapuça sirva também para Sozinho contra todos, já que a vida – ora – a vida continua. Em Carne, o mesmo personagem de Sozinho... (magistralmente interpretado por Philippe Nahon), o Açougueiro, tendo cumprido a pena na prisão e sendo liberto, recomeça sua vida com a dona de um bar, enquanto dirige um carro ao som do rádio.



Irreversível, seu segundo longa metragem, tem uma estrutura bem distinta, não só entre seus filmes, mas entre películas de outros diretores, e nos confunde quanto a o que é o final e onde está o final. A narrativa do filme, ao contrário do que o título sugere, é genuinamente revertida, tendo seu começo no final e virse-versa. Para se ter uma idéia, o filme começa com a apresentação dos créditos finais e, na sequência, o que seria o final do filme – é ao menos o final do enredo, da estória. As cenas (tanto por causa da brutalidade psicológica e a violenta interação e comunicação humana) são brutalmente bem produzidas em planos-sequências, com o acompanhamento de uma alucinada câmera que flui rodopiante, e atuações excepcionais, como as de Vincent Cassel, Albert Dupontel e, é claro, Monica Bellucci. No entanto, a reversão cronológica da narrativa não faz convergir toda a nossa tensão e curiosidade a um só ponto; pelo contrário, ao descobrirmos, num filme que se passa de frente para trás, o próprio final de sua trama, vemo-nos disposto apenas a aguardar, não menos curioso, a causa de seu desfecho.


Afinal, depois das duas cenas mais brutais, depois de todo o frenesi da festa em que os personagens se encontram antes de todas as desavenças e desventuras, o que seria o começo do filme acaba sendo o seu desfecho. De um quarto tranqüilo e a revelação de uma gravidez, cheia de exultação partilhada por um casal (Marcus – Cassel e Alex – Bellucci), para um brando, tênue e resplandecente campo verde, onde Alex lê, na quietude proporcionada pela paisagem, e onde crianças brincam saltitantes e rodopiam com a câmera. É nesse sentido que eu alego e defendo a benignidade e clemência de Noé e seu otimismo escamoteado pela violência física e psicológica de seus filmes.

Um comentário:

neTrop!k@lista disse...

Bom, não conheço Sozinho contra todos nem Carne, mas já tive a oportunidade de assistir a Irreversível, sem dúvida um dos filmes mais realistas e violentos que eu já vi, e também uma verdadeira obra de arte.
Até ler este texto havia classificado essa obra como extremamente pessimista. Confesso, você abriu meus horizontes para novas leituras. =D
abraços!